tattoos

Wednesday, November 2, 2011

Encontro de gerações



Por Renata Viana de Carvalho // Fotos: Fabio Aro



Quando os faróis se cruzaram, os carrinhos logo se reconheceram. O mais novo percebeu depressa que não é tão original quanto imaginava: o “bigode”, as curvas da carroceria, o charme… Tudo já existia há mais de 50 anos.

Mas isso não o abalou. Lado a lado com a “Nuova 500”, encheu-se de sentimento de grandeza. Não é para menos. O piccolo Cinquecento de 1966 tem 2,97 m de comprimento, 1,32 m de largura e altura e 1,84 m de entre-eixos. Enquanto no 500 de 2011 as dimensões são mais generosas: 3,546 m de comprimento, 1,627 m de largura, 1,502 m de altura e 2,300 m de distância entre-eixos.

Mas esse não é um tira-teima de medidas. Até porque, na hora “h”, não são só elas que contam. Fosse assim, o engenheiro civil Álvaro Valente, de 62 anos, jamais teria cruzado o oceano para buscar sua macchina italiana. A paixão pelo compacto começou há trinta anos, na primeira vez que ele visitou a terra natal de seu pai, que viera ao Brasil em 1921. Naquela ocasião, ele decidiu que teria o automóvel. Mas não imaginou que o caminho para conseguir um seria tão longo.

As buscas começaram nos EUA, de onde seria mais fácil trazer um carro. Álvaro chegou a participar do leilão de um modelo. Mas não o arrematou. Foi, então, que passou a procurar na Europa. Em maio do ano passado, encontrou um anúncio na internet e entrou em contato com a loja. “O cara só trabalha com Porsche, BMW… O Fiat 500 estava lá porque era de um amigo e ele estava lhe fazendo um favor”, conta Álvaro.

Quando viu as condições do carrinho, o brasileiro avisou que iria em breve para a Itália e pediu que o lojista “segurasse” a venda. O dono da revenda até aceitou a proposta, mas pediu um adiantamento como garantia. “E para mandar o sinal? Para dar a entrada, eu precisava da nota fiscal de compra… Mas como eu teria isso sem ter comprado, de fato, o carro? Eu falei que não tinha condição. Mas garanti que iria para lá. Ele acabou aceitando…”, diz o fã do 500. O problema, então, passou a ser outro: convencer a esposa Maria Inês a retornar à Itália, de onde haviam chegado há menos de um mês. Mas Álvaro também deu seu jeito. “Ele veio dizer que o Santo Sudário estaria exposto em Turin e só voltaria a ser mostrado em 35 anos. Aí, perguntou ‘você acha que daqui 35 anos a gente vai voltar para ver?’ Eu fiz as contas e respondi que não. Então, nos preparamos para a viagem”, relembra a esposa de 61 anos, católica fervorosa.



Ao chegar na região italiana de Vigevano, Álvaro fechou de vez o negócio. Mas ainda teria de esperar oito meses até o momento de retirar o Cinquecento do porto, no Brasil. Foram três meses de navio, mas não são sei quantos de espera no porto seco, fora toda a burocracia e, claro, as taxas. O engenheiro não revela valores, mas dá pistas de quanto gastou: “estou para te dizer que ele está mais caro que um novo automático depois das reformas pelas quais passou”.

Quando chegou ao Brasil, o Cinquecento era bege e tinha estofamento claro. Apesar da boa condição da pintura e do motor, Álvaro optou por uma boa reforma. “Ficou só na lata, sem nenhum parafuso”, diz. Entre as mudanças, pintou a carroceria de branco e refez o estofamento, que agora é escuro. A mudança da cor interna tem motivo: daria muito trabalho manter o revestimento claro com quatro netinhos para levar para lá e para cá (uma preocupação que também podem acometer os donos do 500 atual).

Sim, esse Cinquecento anda e é impulsionado por um motor de modestos 22 cv. Para dar a partida, é preciso puxar uma alavanca entre os bancos, que funciona como afogador. E lá vem o cheirinho de gasolina. Depois, é necessário se acostumar ao câmbio. Não vou mentir, deixei o carrinho morrer algumas vezes até pegar a mão – e o ponto do pedal de embreagem, que exige duas “bombadas” nas reduções de marchas (são quatro à frente mais a ré). O piccolo encara ladeira, freia bem (desde que se pise com vontade) e mostra suspensão bem firme. Os pneus aro 12 acompanham o movimento ditado pelo volante de aro fininho. Só é necessário lembrar de voltar a haste da seta para o lugar a cada esquina dobrada e ser cuidadoso: o 500 não saía de fábrica com retrovisor! Álvaro já adaptou um do lado esquerdo, e providencia outro para o direito.





No painel, simplicidade – e mais uma vez o Cinquecento dos anos 2000 vê a origem de seus traços. O velocímetro traz em seu interior indicadores do limite de troca para cada marcha. Além disso, só botões para acionar os faróis e a luz alta. Não há rádio. Mas, como cortesia, há luzes que se acendem quando as portas estreitinhas são abertas. Com forração de tecido, elas trazem pequenos nichos para objetos. O portas-malas, mesmo, fica na parte dianteira do veículo e ainda acomoda o estepe. O carrinho de 1966 também conta com ar quente… Mas se o objetivo for arejar as ideias, é melhor abrir o teto de lona em um movimento simples e rápido, feito a partir de uma alavanca. É diferente do teto de vidro que pode equipar as versões do novo 500, claro. E não conta com operação elétrica. Porém, garante o mesmo charme.

É difícil não se render à graça do Cinquecento antigo – assim como do atual. Quase tão difícil quanto se acomodar nos bancos traseiros. Diante do modelo original, realmente, o novo pode ter complexo de superioridade em termos de espaço. É possível se instalar melhor nos bancos de trás e contar com mais espaço para os ombros mesmo nos assentos da frente.

Mas como já falamos, tamanho não é tudo nesse encontro… Álvaro até deu uma volta no novo 500 e o aprovou. Por comodidade, pensa em comprar um automático no ano que vem, pois o antigo não encara mais estradas e longos percursos. Ele também já namora um 500 Giardineira. Mas nunca para tomar o lugar do automóvel atual. Só para ampliar a família!



Como tudo começou

Em julho de 1957, a Fiat apresentou na Itália o Cinquecento, modelo que tinha a missão de motorizar a população – que, então, apelava às lambretas para não andar a pé. O modelo foi projetado por Dante Giacosa, romano que já tinha criado o antecessor do 500, o famoso Topolino, produzido de 1936 a 1948. O nome era uma referência à cilindrada do motor (479 cm3), que rendia 13 cavalos e levava o modelo a 85 km/h de máxima.

O 500 teve versão conversível, esportiva e perua (Giardiniera), e foi produzido até 1975. No total, 3,8 milhões de unidades saíram da linha de montagem. O novo Cinquecento foi lançado em julho de 2007, exatamente 50 anos depois do original. (com Hairton Ponciano Voz)



Fonte: quarentena

Disponível no(a):http://colunas.autoesporte.globo.com/quarentena/

No comments:

Post a Comment

 

blogger templates | Blogger